segunda-feira, agosto 15, 2011

DIGA NÃO A RESERVA DE MERCADO

No último 18 de maio o deputado Penna do PV apresentou a PL-1391/2011, sobre a regulamentação da profissão de Design. Recomendo a todos os interessados a leitura no site do deputado e acompanhar o projeto na câmara.
O objetivo da lei é criar uma reserva de mercado para designers, isto é: proibir qualquer pessoa sem graduação em design* de exercer qualquer atividade que é de “atribuição do designer”, atribuições que são definidos de forma muito genérica no artigo 4. Basicamente qualquer pessoa que, sem diploma, exerça uma atividade que possam ser definida como “ elaboração de [...] sistemas visuais sob a forma de desenhos [...] e outras formas de representação bi e tridimensionais” estaria cometendo o crime de exercício ilegal de profissão. E se você é um designer profissional, a lei lhe obriga a se associar a Conselhos Federais e Regionais (cuja filiação e tarifas ainda seriam definidas)
*Uma exceção é feita a profissional com mais de 5 anos de experiência de trabalho antes da lei entrar em vigor
Apesar de muitos profissionais (entre eles estimados amigos e colegas) se referirem a ela como o resultado de muitas décadas de luta pelo reconhecimento da profissão, acredito que a lei é ruim para os designers, ruim para o mercado, ruim para os clientes, ruim para os estudantes e portanto ruim para o país. E apesar de diminuir a concorrência parece ser algo positivo a curto prazo, isso pode ter consequências imprevistas muito ruins a longo prazo.

"A lei finalmente reconhece e valida a profissão de designer no país!"

O que significa a profissão ser reconhecida? Assim como uma palavra não precisa estar no dicionário para existir, profissões não precisam ser "reconhecidas pelo governo" para existir. Um designer de um país com a profissão "reconhecida" não é menor, menos profissional ou de qualquer forma inferior a um designer de um país onde essa profissão não é. Não há nada de ilegal ou incorreto na forma como um designer trabalha hoje em dia – muito pelo contrário uma consequência desta lei é criar o crime do "exercício ilegal do design" onde pessoas que não tenham cursado uma faculdade superior são impedidas de trabalhar na área.
Esse é o argumento mais comum usado neste debate, e também o mais vazio de conteúdo – desconfio porque esse é um argumento que camufla a verdadeira intenção da lei, que é criar órgãos fiscalizadores que impeçam que pessoas sem diploma possam exercer a profissão.

"A lei impedirá que indivíduos não profissionais exerçam a profissão"

A quem cabe julgar o profissionalismo de cada um? A lei apenas exige a obrigação de diploma e filiação a uma entidade fiscalizadora. Muitos designers começaram sua carreira anos antes da faculdade – pequenos trabalhos de impressão de panfletos gráficos, grafites, camisetas, websites. Pergunte a eles sobre suas experiências prévias e a maior parte dirá que ganhou vivência e habilidade com esses trabalhos informais, duas coisas que o ajudaram na universidade e carreira posterior. Alguns poucos inclusive tiveram experiências tão produtivas que pularam até a faculdade, identificados como grandes talentos por empresas nacionais e internacionais. Essas atividades informais todas poderiam ser classificadas como exercício ilegal da profissão caso a lei fosse aprovada.
O personagem mais comum dos pesadelos de todo profissional é o famoso "sobrinho talentoso do cliente". Mas é bom ressaltar que a moral dessas lendas em geral é sobre as más escolhas do cliente, não culpar o sobrinho, porque afinal muitos grandes profissionais de hoje foram jovens talentoso antes da universidade.

"A reserva de mercado irá melhorar os ganhos dos designers"

A lei artificialmente diminui a oferta de designers no país – as consequências disso podem ser muitas e desconhecidas, a única certeza é que a lei criará novos encargos para o profissional. Com a PL-1391 todo profissional é obrigado a contribuir para uma sociedade reguladora. A função desta entidade nova é "fiscalizar", isso é, cobrar de todo profissional uma taxa recorrente para que ele possa exercer a profissão que ele sempre teve a liberdade de exercer antes da lei e perseguir legalmente os profissionais que se recusem a pagar a taxa. Como a profissão, pela própria natureza, é definida de forma vaga, muitas vezes essa perseguição poderá cair sobre artesãos, pequenos birôs e sobre outros profissionais que fazem trabalhos que tem intercessão com o nosso. Esses enormes custos legais serão obviamente passados adiantes aos designers "honestos", então você se verá forçado a pagar processos que não necessariamente concorda. O valor da taxa não é estipulado na lei mas como a entidade fiscalizadora tem força de lei, na prática esses valores são altos – basta procurar ver o custo em outras profissões como a CREA, CRM, OAB, SBOT e etc.
A prática de criar associações para controlar a oferta de uma profissão e assim controlar os ganhos, remonta a idade média com as corporações de ofício. Essas práticas mantinham os preços altos porém estrangulavam a inovação do mercado e mantinham todos em uma situação mais pobre.
É importante notar que apesar de uma entidade fiscalizadora poder oferecer outros benefícios como cursos, palestras ou campanhas pela profissão, ela não é obrigada a tal pela lei, isso é, e esses serviços podem ser perfeitamente oferecidos hoje (como já o são) pelas já existente associações de designers. Pelo contrário, essa fonte de renda obrigatória diminui o incentivo a associações de designers buscarem oferecer outros serviços que os profissionais queiram pagar...

"O mercado não valoriza a profissão, e essa lei mudará isso."

Pode se argumentar que diminuir a oferta de Designers legais irá aumentar o preço que cada designer pode praticar, mas isso é discutível. Afinal se o mercado não enxerga o valor do serviço que oferecemos, obrigá-lo a pagar um preço ainda maior não irá mudar sua opinião. Muito pelo contrário pode forçar o cliente a procurar por serviços no mercado informal, piorando a primeira impressão que um cliente tem com Design. A melhor forma de valorizar nossa profissão é não através da lei, mas do fruto de nossos trabalhos, demonstrando ao mercado que produtos (físicos ou virtuais) feitos por bons profissionais são de maior qualidade, vendem melhor, valorizam a empresa ou são feitos de forma mais eficiente e ecológica.

"A lei irá melhorar o nível de design praticado no país"

O que a lei faz é tornar ilegal a prática de design sem um curso superior (abre-se uma exceção para pessoas que já trabalhavam por pelo menos 4 anos antes da criação da lei) e proíbe que profissionais de outras áreas pratiquem a profissão. Apesar de isso parecer uma boa idéia para os profissionais que poderiam praticar livremente, a lei artificialmente diminui a competitividade do mercado. Como em qualquer mercado, uma concorrência menor faz com que a qualidade do produto caia e seus preços subam. A consequência óbvia é que isso também aumentará o já enorme mercado informal do país e os problemas que isso traz: dificulta aos "informais" o acesso a diversas conquistas dos trabalhadores e aumentado a carga tributária do mercado formal.

"A lei irá melhorar o nível de design ensinado no país"

Como já foi dito acima, diminuir a competitividade de um mercado raramente se reflete em aumento de qualidade. Com a obrigatoriedade do diploma, faculdades podem passar a valorizar mais o canudo do que passar conhecimentos que de fato tornarão o estudante um profissional melhor. Isso também estimula o já inchado mercado de cursos de qualidade duvidosa a despejará profissionais menos qualificados todo ano.

"A lei regula produtos que podem causar danos sérios a saúde"

Qual o nome do designer culpado pelo berço defeituoso que punha em risco a vida dos bebês, ou a fralda com amianto ou o carro que tinha defeito no acelerador? Um produto é um resultado de diversos profissionais de várias áreas e assim como o lucro de um produto bem sucedido pertence a empresa, a ela deve cair os prejuízos e riscos. Já existem diversos órgãos regulamentadores que investigam produtos que põe a saúde pública em risco , quem multam empresas que poluem o meio ambiente e compensam famílias afetadas . Hoje em dia um designer que esteja por trás desses produtos já sofrerá consequências negativas em sua carreira. O que essa lei faz é permitir a empresas usarem designers como bode expiatório legal.

"Sem a regulamentação, designers não podem participar de concorrências públicas, o governo não pode fazer licitações em design e etc"

Verdade – porém o setor público é bem diferente do setor privado e segue outras regras. Não sou contra a regulamentação se isso for um passo para melhorar a relação com o setor público ou para distinguir a profissão na hora de pagar impostos ou recolher benefícios legais. Mas lendo a lei percebe-se que o que a lei cria é uma reserva de mercado no setor privado. Esse texto é contra esssa reserva de mercado.
Esse texto tem a intenção de melhorar o nível do debate entre os profissionais do Design sobre o assunto, e apresentar um ponto de vista contrário a opinião majoritária. Se você concorda com alguns pontos então levante eles na próxima vez que discutir o assunto com colegas. Se discorda, por favor adoraria ouvir a sua opinião também.

Escrito por Alexandre Van de Sande, que tem orgulho de seu diploma na Escola Superior de Desenho Industrial, mas respeita os profissionais que não tenham.


fonte: http://reservademercadonao.com/

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